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O
FINANCIAMIENTO DO ENSINO SUPERIOR FEDERAL NO BRASIL E A IDA AO QUASE-MERCADO
EDUCACIONAL
NELSON
CARDOSO AMARAL
Correo-e: nelson@fis.ufg.br
Instituto de Física da Universidade Federal
de Goiás (UFG),
São Paulo, Brasil.
Resumen
Las Instituciones Federales de Educación Superior (IFES) brasileñas
han sufrido, después de la Constitución de 1988, más
específicamente durante los gobiernos de Fernando Henrique Cardoso
(1994-1998 y 1998-2002), el impacto de las medidas relacionadas a la
crisis del Estado de Bienestar Social. En la economía, se implantaron
reformas que privatizaron las empresas públicas, congelaron salarios,
protegieron al sistema financiero y abrieron el mercado nacional para
los productos extranjeros. En la educación superior, lo que se
vio fue una prédica a favor del eficientismo y de la búsqueda
de fuentes alternativas de financiamiento. Durante los gobiernos de FHC
no quedó otra salida para las IFES sino dirigirse al cuasi mercado
educativo en busca de recursos para su supervivencia, lo que ocurre a
partir de la imposibilidad real de generar recursos propios en el mercado
financiero.
Palabras clave: Financiamiento de la educación
superior; fuentes alternativas de financiamiento; cuasi mercado educacional.
Abstract
The Brazilian Federal Institutions of Higher Education (IFES) suffered,
after the promulgation of the 1988 Brazilian Constitution, and especially
during Fernando Henrique Cardoso’s (FHC) governments (1994 to 1998
and 1998 to 2002), the impact of measures related to the crisis of the
european welfare state. In the economy sector, reforms were implemented
to privatize state owned enterprises, wages were frozen, measures to
protect the financial system were taken and the national market was open
to foreign goods. Regarding the Higher Education sector, what was seen
was a preaching in favor of efficientism and the search for alternative
sources of financing. During the two FHC’s mandates, the IFES were
left with no alternative other than heading for the educational quasi-market
in search for survival resources, which happened as a result of the real
impossibility to generate their own resources in the financial market.
Key-words: Higher education financing; alternative
sources of financing; educational “quasi-market”.
Introdução
O Grupo Assessor em Educação, do Diretor Geral da UNESCO,
integrado por especialistas das diversas regiões do mundo, identificou,
em 1995, os grandes temas de debate sobre a educação superior
no final do século XX. Um dos temas em discussão foi o
do financiamento e a necessidade de abordá-lo com profundidade,
devido ao fato de ele “... ser cada vez mais compressivo...” em
muitos países. (Bernheim, 1995: 123). Outros tópicos levantados
pelo Grupo Assessor permearam os seguintes temas: o papel das ciências
humanas na discussão dos rumos da sociedade; integração
entre o ensino e a pesquisa, democratização, qualidade,
diversificação, relações com o setor produtivo;
educação continuada, independência intelectual e
liberdade acadêmica; impactos da globalização etc.
(IDEM, 1995: 123).
Neste estudo trataremos do financiamento das 52 Instituições
Federais de Ensino Superior (IFES) no período pós-constituição
de 1988. Este conjunto é constituído de 39 universidades,
8 faculdades e 5 centros federais de educação tecnológica
e está localizado em 24 Estados da federação brasileira
e no Distrito Federal. A abrangência nacional das IFES constituir-se-ia
em importante fator de redistribuição da riqueza nacional
e, pelo fato de as instituições públicas de ensino
superior brasileiras (incluídas as estaduais, em especial as paulistas)
serem responsáveis por mais de 90% da produção científica
do País, mostra a sua importância no conjunto de ações
que precisam ser realizadas para o desenvolvimento econômico e
social brasileiro.
Após o regime militar de 1964, que se encerrou com a posse do
Presidente José Sarney, em 1985, e com a elaboração
de uma nova Constituição em 1988, as universidades tiveram
garantido no novo texto Constitucional, em seu artigo 207, a autonomia
universitária e, em especial, a autonomia de gestão financeira.
Esperava-se que, com essa determinação constitucional,
as instituições públicas começassem a ter
resolvidos vários de seus problemas, tais como a falta de autonomia
para as mais simples ações administrativas e orçamentárias;
a escassez crônica de recursos para o financiamento de suas ações
e expansão do sistema; e a inexistência de ações
colaborativas entre elas.
Entretanto, a partir de 1990, os Presidentes Fernando Collor de Mello,
Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso iniciaram a implantação
das políticas sugeridas pelas “orientações” de
organismos multilaterais, elaboradas após a crise do Estado de
Bem-Estar Social. Na economia, foram implantadas reformas que privatizaram
as empresas estatais, congelaram salários, protegeram o sistema
financeiro e abriram o mercado nacional para produtos estrangeiros. No
ensino superior, o que se viu foi uma verdadeira cruzada em favor do
eficientismo, da competição entre as instituições
e da procura por fontes alternativas de financiamento no quase-mercado
educacional, que complementassem aquelas do Fundo Público1.
O Banco Mundial, com uma visão extremamente financista, pronuncia-se
sobre pontos importantes da vida das Instituições (BIRD,
1995) e apresenta-se como agente financiador e “avalista” de
dívidas externas dos países, revestindo suas “orientações” de
um caráter de obrigatoriedade para governantes de países
que, como o Brasil, dependem de recursos financeiros internacionais.
Essas “orientações” fizeram com que em muitos
países do mundo ocorressem mudanças no financiamento e
na gestão do ensino superior que seguiram diretrizes muito parecidas:
expansão e diversificação das instituições,
compressão dos recursos fiscais disponíveis para o desenvolvimento
das atividades institucionais; ida ao mercado à procura de recursos
financeiros extra-orçamentários e exigências de maior
eficiência, qualidade e responsabilidade. (Johnstone, 1998: 2).
No Brasil as mudanças na área do ensino superior foram
amplamente iniciadas no Governo FHC (Baumann, 2001: 155). O documento “A
política para as Instituições Federais de Ensino
Superior” (MEC, 1995), continha os seguintes pontos considerados
essenciais na implementação das mudanças:
1) Promover a plena autonomia de gestão administrativa e financeira
das universidades federais, preservando sua condição atual
de entidades de direito público; 2) A autonomia de gestão
administrativa deverá incluir o poder de cada universidade decidir
autonomamente sobre sua política de pessoal, incluindo contratações
e remunerações, observando parâmetros mínimos
comuns da carreira docente e do pessoal técnico-administrativo;
3) O governo federal definirá a cada ano um orçamento global
para cada universidade, que será repassado em duodécimos
e administrado autonomamente por cada uma delas; 4) O Governo Federal
manterá pelo menos nos níveis reais atuais o gasto anual
com as universidades e demais instituições de ensino superior;
5) O Ministério da Educação, ouvidos os Reitores
das Universidades Federais, fixará os critérios para a
distribuição dos recursos entre as instituições,
levando em consideração a avaliação de seu
desempenho e buscando estimular o aumento da eficiência na aplicação
dos recursos públicos e a ampliação do atendimento à população;
6) As universidades serão estimuladas a buscar fontes adicionais
de recursos junto a outras esferas do poder público e à iniciativa
privada para ampliar o atendimento a outras demandas sociais além
do ensino; 7) Nas instituições públicas federais
os cursos de graduação, mestrado e doutorado serão
gratuitos e 8) Os hospitais de ensino serão subordinados academicamente às
universidades, mas terão autonomia administrativa com gestão
profissional.
Percebe-se que todos esses pontos, direta ou indiretamente, se relacionam
ao financiamento das Instituições. As ações
governamentais percorreram os caminhos traçados por esse planejamento:
foram apresentadas diversas propostas de implementação
da autonomia de gestão administrativa e financeira; os gastos
anuais com as IFES foram decrescentes; a distribuição dos
recursos entre as IFES concentrou-se em indicadores de eficiência,
por exemplo, quando aumentou o número de alunos; as Instituições
foram obrigadas, para a sua sobrevivência, a buscar fontes adicionais
de recursos junto a outras esferas do poder público e à iniciativa
privada, cobrando assessorias, consultorias, cursos de especialização
e extensão, prestação de serviços técnico-laboratoriais
especializados – tudo isso via fundações de apoio,
entes de direito privado que ganharam destaque especial nas instituições;
os hospitais universitários instituíram fundações
de apoio (privadas) próprias e os seus orçamentos passaram
a ser executados fora do orçamento das IFES, etc.
O financiamento das IFES representa um ponto importante na discussão
da vida nacional e é fundamental para a definição
de seu próprio perfil: se um “escolão” de terceiro
grau, apenas formador de profissionais para o mercado, ou se uma instituição
que ensina, que aprimora o conhecimento humano através da investigação
científica, e interage com a sociedade procurando solucionar os
problemas que a afligem.
Com a mundialização do capital, a rapidez do aparecimento/desenvolvimento
de novas tecnologias, as políticas de ensino superior e de ciência
e tecnologia passam a desempenhar, nos dias atuais, o mesmo papel da
educação primária no século XIX e início
do século XX. Agora, a inexistência de políticas “apropriadas” de
ensino superior e de ciência e tecnologia pode significar a servidão
e a subjugação de um país frente a outro país;
antes, a inexistência de uma educação primária
universal significava relações servis e subjugadas entre
aquelas pessoas que detinham um certo grau de escolaridade e aquelas
que não o possuíam.
A crise do Estado de Bem-Estar Social e o quase-mercado
educacional
A definição de políticas para a educação
pública em geral e do financiamento do seu ensino superior está sujeitas à estrutura
da sociedade em termos ideológico-econômicos. Nos últimos
25 anos ocorreram alterações na estruturação
da sociedade capitalista-liberal, que estão provocando grandes
transformações, agrupadas por Fiori em “sete campos
ou dimensões fundamentais” (2001: 95-06): geopolítico
mundial; político-ideológico; econômico ou monetário-financeira;
revolução tecnológica; trabalho ou do emprego; espaço
da periferia capitalista e fragilização generalizada dos
Estados nacionais.
No campo geopolítico mundial houve um redesenho dos espaços
e da hierarquia entre os países, consolidando-se um “império” comandado
pelos americanos e ingleses. O campo político-ideológico
mundial alterou-se fundamentalmente após a crise do Estado de
Bem-Estar Social, provocando o retorno das idéias ultraliberais
que se tornaram “pensamento único”. No campo econômico
as transformações ocorreram pela força que passou
a ter o mercado financeiro, que foi desregulamentado, abrindo-se uma
competição exacerbada entre os países pelo capital
financeiro internacional. O quarto campo é o da revolução
tecnológica que ocorreu na microinformática e nas telecomunicações
que alteraram o mundo do trabalho, provocando um brutal aumento do desemprego.
Outro campo de transformação é uma conseqüência
da revolução tecnológica e atinge o trabalho ou
emprego: com a crise dos anos 70, houve uma deterioração
do mercado de trabalho, gerando desemprego, subempregos e, por isso mesmo,
propiciando uma degradação das relações entre
sindicatos de trabalhadores e patrões. Os dois últimos
campos de transformação, o espaço da periferia capitalista
e a fragilização dos Estados nacionais encerram essa análise
promovida por Fiori. Os países da periferia capitalista se viram
imersos em suas dívidas e na necessidade de serem superavitários
em suas balanças de pagamento. Pressionados, esses países
e seus dirigentes se submeteram às “orientações” emanadas
dos organismos multilaterais que, por sua vez, estabeleceram diretrizes
que defendiam, primeiro, os interesses dos grandes capitalistas e, depois,
os interesses dos Estados nacionais; daí sua fragilidade frente às
negociações travadas na esfera internacional. Contraditoriamente,
os Estados fortaleceram-se sob a filosofia do mercado, do “pensamento único”.
(IDEM, 2001: 96-00).
Todas essas transformações vieram em contraposição
ao que se chamou de Estado de Bem-Estar Social e que havia se instalado
em muitos países desenvolvidos, onde se originou o chamado Fundo
Público, constituído de recursos oriundos da sociedade,
materializados pela cobrança de impostos, contribuições,
taxas, etc. O Fundo Público passou a ser, então, no capitalismo,
o intermediador da tensão entre a grande massa, ansiosa por receber
benefícios ditos sociais, e os detentores do capital, obrigados,
pela intervenção do Estado, a diminuir o ardor com que
procuravam o aumento do lucro e a acumulação de riqueza.
Esse foi, então, o ambiente que se estabeleceu em diversos países
da Europa, tendo seu auge nos anos 60 e 70.
Com a crise do petróleo nos anos setenta e com o deslocamento
de corporações européias para outras regiões
do planeta à procura de melhores condições materiais
-doação de terrenos para instalações, isenções
de impostos, subsídios para a energia elétrica etc.- e
de remuneração dos trabalhadores, que proporcionassem o
aumento de seus lucros, os diferentes Estados europeus, principalmente
o inglês, entraram em profunda crise fiscal, não mais conseguindo
manter o nível de Bem-Estar Social até então vigente
(Oliveira, 1988). Caracterizada como crise do Estado do Bem-Estar Social,
iniciaram-se, então, reformas do Estado, que significaram clara
marcha à ré nessa configuração social do
Estado.
O colapso do sistema econômico-político, a que Harvey (2000:
119) chamou de “fordista-keynesiano”, deu-se a partir de
1973, quando o capitalismo incorporou novas e mais flexíveis formas
de produção.
Assim como se imputou ao Estado de Bem-Estar Social, na Europa, a responsabilidade
pelo déficit público, pela inflação, pelo
desestímulo à concorrência e à criatividade,
etc, também na América Latina responsabilizou-se o Estado-Nacional
Desenvolvimentista por esses mesmos fatores de crise.
Na visão do ex-Ministro Paulo Nogueira Batista (1999: 23-8) há um
tremendo erro nessa avaliação sobre a América Latina.
A verdadeira origem da crise econômica latino-americana estaria,
primeiro, no grande endividamento externo dos anos 70, junto ao mercado
privado de capitais; segundo, na “abrupta decisão norte-americana
de desvincular o dólar do ouro e de deixar flutuar sua moeda [o
que] já denotava a tendência da superpotência responsável
pela estabilidade da ordem econômica vigente a tomar decisões
unilateralmente, sem levar em conta o impacto internacional de medidas
de grande envergadura” (Batista, 1999: 24); e, terceiro, conseqüência
da anterior, uma elevação espetacular das “taxas
de juros sobre o dólar para combater a inflação
nos Estados Unidos” (idem, 24), o que elevou violentamente a dívida
dos países da América Latina e, por último, forçou
a renegociação do pagamento das dívidas com a assunção
de compromissos que não poderiam ser cumpridos pelos devedores
sem causar a diminuição dos recursos destinados às
atividades sociais e o sacrifício do processo de desenvolvimento
do país.
Para proceder a uma avaliação das reformas econômicas
nos países da região, e discutir os rumos a serem tomados,
convocados pelo Institute for International Economics e sob o título “Latin
American Adjustment: How Much Has Happened?”, em 1989, no mês
de novembro,
...reuniram-se na capital dos Estados Unidos funcionários do governo
norte-americano e dos organismos financeiros internacionais ali sediados
-FMI, Banco Mundial e BID- especialistas em assuntos latino-americanos.
(...) Às conclusões dessa reunião é que se
daria, subseqüentemente, a denominação informal de “Consenso
de Washington” (Batista, 1999: 11).
Nessa reunião, não se tratou de educação,
saúde, distribuição de renda, eliminação
da pobreza etc. As discussões se desenvolveram em torno das seguintes áreas: “1)
disciplina fiscal; 2) priorização dos gastos públicos;
3) reforma tributária; 4) liberalização financeira;
5) regime cambial; 6) liberalização comercial; 7) investimento
direto estrangeiro; 8) privatização; 9) desregulação;
10) propriedade intelectual” (Batista, 1999: 19 e 33).
A disciplina fiscal deveria se dar pela “redução
dos gastos públicos”; a liberalização comercial
se promoveria pela “redução das tarifas de importação
e eliminação das barreiras não-tarifárias”;
a liberalização financeira ocorreria por meio de “reformulação
das normas que restringem o ingresso de capital estrangeiro”; a
desregulação dos mercados se daria pela “eliminação
dos instrumentos de intervenção do estado, como controle
de juros, incentivos etc.” e deveria ocorrer uma completa “privatização
das empresas e dos serviços públicos” (Soares, 1996:
23).
Esse conjunto de prescrições transformou-se “...
num novo senso comum, quase ensurdecedor” (Fiori, 2001: 74), que
ficou conhecido como “pensamento único”. De posse
dessa avaliação, parece-nos que, ao seguirem sem grandes
questionamentos as políticas traçadas por organismos internacionais,
estariam os países latino-americanos reféns de suas imensas
dívidas externas e, por isso, estariam abrindo mão de suas
condições de Nações política e economicamente
independentes e entregando, aos seus credores, as decisões mais
importantes sobre políticas macroeconômicas e relações
internacionais.
A implantação de reformas que coincidem com as previstas
no Consenso de Washington recrudesceu nos Governos FHC. (Baumann, 2001:
155). No caso da educação brasileira nenhuma reforma mais
abrangente realizou-se nos Governos Collor e Itamar, apesar de algumas
tentativas, principalmente no curto Governo daquele. Somente a partir
de 1995 é que: “... a reforma modernizadora da educação
superior ganhou grande força e as idéias neoliberais se
materializaram em políticas e em um quadro legal-burocrático
coerente com as novas configurações”. (Dias Sobrinho,
2001b: 28).
Portanto, o que se viu a partir dos anos oitenta foi a pregação
sobre o fim do Estado keynesiano e a conseqüente política
de redução da presença do Estado, e a valorização
das atividades privadas e da “mão invisível” do
mercado. Esse novo ambiente liberal propagou-se para as escolas e o que
se anunciou foi a decadência e a incapacidade de a escola pública
enfrentar os desafios apresentados pelos dias atuais, quando se exige
agilidade e presteza, que seriam possíveis somente com a atuação
das leis de mercado regendo as relações entre escolas,
entre trabalhadores e a escola e entre a escola e a sociedade. (Saviani,
1992: 11).
Em especial, o ensino superior recebeu sérias críticas,
em campanha pública aberta, segundo as quais as instituições
públicas de ensino superior seriam “incompetentes, exageradamente
dispendiosas e desligados das necessidades da sociedade, ou melhor, da
indústria” (Dias Sobrinho, 2001b: 11).
O quase-mercado educacional
No campo educacional iniciou-se, ao invés da “privatização
direta” da escola pública, o que Dias Sobrinho (2001:1)
chamou de “privatização dissimulada”, uma vez
que a escola pública não se enquadra perfeitamente em um “mercado” mas,
sim, em um quase-mercado (Afonso, 2000: 115): “quase-mercados são
mercados porque substituem o monopólio dos fornecedores do Estado
por uma diversidade de fornecedores independentes e competitivos. São
quase porque diferem dos mercados convencionais em aspectos importantes”..
Nesse novo formato as instituições passam a atuar como
um híbrido “público-privado”. No que se refere
ao financiamento, apesar de continuarem a receber recursos do Fundo Público,
estes são cada vez menores. Isso obriga as instituições
a procurarem fontes alternativas de recursos financeiros, seja através
da prestação de serviços à população,
oferecendo cursos de especialização e extensão,
consultorias, assessorias, etc., seja pela cobrança de taxas,
matrículas, serviços de laboratórios e outros.
A lógica economicista presente nas orientações do
novo liberalismo pós-crise do Estado de Bem-Estar Social desloca
o eixo desse híbrido “público-privado” mais
para o lado privado, cujo campo de atuação obedece aos
princípios da competitividade e da eficiência. Sobrinho
vê um grave deslocamento ético nesse processo (Dias Sobrinho,
2001: 4):
Opera-se aí um deslocamento ético. Valores de primeira
ordem e como tal aceitos universal e historicamente, como solidariedade,
cooperação, colegialidade, tolerância, paz, justiça
e outros da mesma linha, são substituídos por outros valores
economicistas, como eficiência, produtividade, competitividade,
utilidade, funcionalidade. (negrito nosso)
Esse movimento do público rumo a um híbrido “público-privado” atuando
num quase-mercado, vem acompanhado de um grande interesse da iniciativa
privada por investir nesse setor, pois passou a vê-lo como atividade
altamente lucrativa. Entretanto, nem sempre foi assim (Saviani, 1992:
17):
“O próprio Adam Smith considerava que, de um modo geral,
as atividades não-materiais, entre as quais se situa a educação,
são improdutivas, o que quer dizer que o trabalho aí implicado ‘perece
no mesmo instante em que é produzido’; não geram,
pois, valor excedente, logo, não possibilitam a apropriação
de lucro (Cf. Smith, Livro II, Cap. III).
Pode até parecer um contra-senso, mas um processo de privatização
não significa, obrigatoriamente, que o volume de recursos financeiros
diminua, em termos reais. Em “A Privatização da Política
Educacional: dez questões”, Gentili nos alerta para esse
fato e enuncia dez questões tentando compreender o processo de
privatização. O autor defende que o ato de privatização é de
natureza política e não econômica já que ela
está “sustentada na necessidade de gerar uma profunda redefinição
do papel do Estado e uma redistribuição regressiva do poder
em favor dos setores mais poderosos da sociedade” (Gentili, 2000:
2).
As reformas são apoiadas por organismos multilaterais como o FMI,
BIRD, OMC e OCDE. Atuando em um amplo espectro, econômico, financeiro,
cultural e ideológico, as avaliações e recomendações
emanadas de seus relatórios se revestem de um poder incomensurável
para países imersos em enormes dívidas externas e, cada
vez mais, dependentes do capital financeiro internacional na estabilização
de suas economias nacionais. Dado o peso do aspecto financeiro para definição
das reformas, “o primeiro aspecto importante dessa intervenção
consiste na questão dos financiamentos relativos à educação
superior” (Dias Sobrinho, 2001: 2):
As instituições públicas de ensino superior estariam
sendo levadas pelo modo de estruturação do novo capitalismo
liberal a produzir também cientificamente, cada vez mais com “cunho
comercial” (Harvey, 2000: 151).
Outra vertente importante das reformas implementadas após a crise
do Estado de Bem-Estar Social é o deslocamento do foco do processo
para os resultados, isto é, o governo “deve imbuir-se do
espírito controlador e planejador”. Estamos, então,
diante de um “Estado Forte”, no dizer de Dias Sobrinho, que
descentraliza e fala em autonomia mas, ao mesmo tempo, mantém
controle através de legislações que retiram a aparente
liberdade outorgada e através de fiscalização e
avaliação dos resultados (Dias Sobrinho, 2001: 6).
Essa posição significou uma ruptura com o que se encontrava
estabelecido no período da política de Bem-Estar Social,
quando a fiscalização e avaliação tinham “...
o propósito de analisar a eficácia dos programas com a
finalidade de torná-los melhores e mais produtivos em termos sociais” e,
agora, passava a prevalecer a “... lógica do controle e
da racionalidade orçamentária, que efetivamente significa
cortes de financiamento e rebaixamento da fé pública”(Dias
Sobrinho, 2001: 11).
Os recursos financeiros das IFES
Os recursos das IFES no período pós-constituição
de 1988 podem ser examinados separando quatro períodos: governo
Sarney; governo Collor; governo Itamar e governo FHC. A Tabela 01 e o
Gráfico 01 apresentam a evolução dos gastos das
IFES de 1980 a 2001, excluindo-se os recursos próprios.
O ano de 1989, Governo Sarney, registrou os valores mais elevados para
os recursos das IFES. Esse fato pode ser, em grande parte, creditado à grande
movimentação sindical que promoveu greves nos anos de 1980
(26 dias); 1981 (20 dias); 1982 (32 dias); 1984 (84 dias); 1985 (45 dias);
1987 (44 dias); e 1989 (66 dias). (ANDES, 2001).
Nos anos de 1990 a 1992, governo Collor, houve a chegada ao “fundo
do poço” de todo o período pós-constituição
de 1988. O ano de 1992 registrou os menores valores para os recursos
totais e um enorme achatamento salarial. No período de 1993 a
1994, houve uma recuperação nos valores destinados às
despesas das IFES sem, entretanto, chegar a recuperar os valores de 1989.
Nos governos FHC, de 1995 a 2001 registra-se uma queda maior de 1995
para 1996 e, depois, quedas contínuas e menores até o ano
2001, com um pequeno aumento em
Tabela 1
Recursos das IFES no período 1980 a 2001, excluindo-se os recursos
próprios
Ano |
Pessoal |
Outras despesas
correntes e investimentos
|
Total |
1908 |
4166 |
618 |
4784 |
1981 |
4429 |
669 |
5098 |
1982 |
5260 |
600 |
5861 |
1983 |
4305 |
386 |
4690 |
1984 |
3787 |
356 |
4143 |
1985 |
5000 |
468 |
5468 |
1986 |
5412 |
638 |
6050 |
1987 |
7502 |
751 |
8253 |
1988 |
9155 |
616 |
9772 |
1989 |
9372 |
416 |
9788 |
1990 |
7134 |
1028 |
8162 |
1991 |
5411 |
666 |
6076 |
1992 |
4739 |
629 |
5367 |
1993 |
5964 |
1086 |
7049 |
1994 |
7364 |
639 |
8003 |
1995 |
8441 |
1003 |
9445 |
1996 |
7524 |
984 |
8508 |
1997 |
7492 |
1017 |
8509 |
1998 |
7393 |
1025 |
8417 |
1999 |
7655 |
829 |
8484 |
2000 |
7167 |
836 |
8003 |
2001 |
6523
| 804 |
7326 |
Valores em R$ milhões, a preços
de janeiro de 2002 (IGP-DI/FGV)
Fonte: 1980-1989: MEC/SENESU/DPA; 1990-1994: MF/STN/CGC; 1995-2001:
Execução.
Orçamentária da União, http://www.camara.gov.br
Gráfico 1
Recursos das IFES no período 1980 a 2001, excluindo-se os recursos
próprios
Valores em R$ milhões, a preços
de janeiro de 2002 (IGP-DI/FGV)
1989:Gov. Sarney; 1990-1992:Gov.Collor; 1993-1994:
Gov. Itamar; 1995-2001: Gov.FHC
Tabela 2
Recursos das IFES como percentual das despesas correntes do FPF, do PIB,
e da arrendação do impostos da união
|
IFES
|
Recursos |
%
FPF
|
%
PIB
|
%
Impostor
|
1989 |
186,172.9 |
1,092,465 |
84,848 |
10,375 |
5.57 |
0.95 |
12.2 |
1990 |
178,350.6 |
1,093,068 |
92,999 |
8,636 |
4.84 |
0.79 |
9.3 |
1991 |
129,634.5 |
1,110,963 |
73,047 |
6,749 |
5.21 |
0.61 |
9.2 |
1992 |
143,308.7 |
1,080,579 |
44,131 |
6,086 |
4.25 |
0.56 |
13.8 |
1993 |
184,090.1 |
1,067,765 |
80,938 |
7,923 |
4.30 |
0.73 |
9.8 |
1994 |
177,902.6 |
1,179,919 |
108,100 |
9,625 |
5.41 |
0.90 |
8.9 |
1995 |
203,282.1 |
1,280,178 |
92,870 |
10,402 |
5.12 |
0.88 |
11.2 |
1996 |
209,992.9 |
1,326,222 |
92,937 |
9,297 |
4.43 |
0.73 |
10.0 |
1997 |
215,353.0 |
1,340,292 |
95,181 |
9,208 |
4.28 |
0.69 |
9.7 |
1998 |
237,263.6 |
1,340,292 |
106,196 |
9,046 |
3.81 |
0.67 |
8.5 |
1999 |
245,514.4 |
1,269,438 |
106,790 |
8,743 |
3.56 |
0.69 |
8.2 |
2000 |
229,699.0 |
1,257,969 |
97,401 |
8,346 |
3.63 |
0.66 |
8.6 |
2001 |
245,327.3 |
1,242,027 |
102,022 |
7,638 |
3.11 |
0.61 |
7.5 |
Valores em R$ milhões, a preços
de janeiro de 2002 (IGP-DI/FGV)
Fonte: PIB: Banco Central do Brasil e IPEA -
http://www.ipeadata.gov.br; Impostos: Arrendação da Receita Administrada pela SRF.
- http://www.receita.fazenda.gov.br; Recursos das IFES: 1980-1990: MEC/SENESU/DPA:
1990-1994: MF/STN/CGC: 1995-2001: Execução Orçãmentária
da União - http://www.camara.gov.br; Desp. Correntes do FPF: Execução
Orçãmentária do Governo Federal e Balanço
Geral da União.
1999 que pode ser explicado pela implantação da Gratificação
de Estímulo à Docência (GED).
No período de 1990 a 2001, as greves escassearam e os salários,
em termos de reajustes lineares para todos os trabalhadores, foram congelados.
Alguns resultados foram obtidos até o final do Governo Itamar,
em 1994. A partir de 1995 ressalta-se a aprovação da GED,
no final do movimento de greve que durou de 31/03 a 13/07/1998.
A diminuição dos recursos das IFES também se verificou
em relação à riqueza nacional. A comparação
dos recursos das IFES com três
Gráfico 2
Recursos das IFES, todas as fontes, como percentual do PIB,
1989: Gov. Sarney; 1990-1992: Gov. Collor; 1993-1994:
Gov. Itamar; 1995-2001: Gov. FHC
Gráfico 3
Recursos das IFES, todas as fontes, como percentual das despesas correntes
do FPF
1989: Gov. Sarney; 1990-1992: Gov. Collor; 1993-1994: Gov. Itamar; 1995-2001:
Gov. FHC
indicadores da riqueza de um país, o PIB, as despesas correntes
do Fundo Público Federal (FPF) e o total da arrecadação
de impostos da União, nos permite fazer essa afirmação.
A Tabela 02 nos mostra que, em relação ao PIB, houve, de
1989 a 2001, um decréscimo de 35,8% nos recursos das IFES. Isso
significa, em termos do PIB de 2001, um decréscimo de R$ 4,2 bilhões.
O Gráfico 02 mostra como foi o comportamento desse percentual,
de 1989 a 2001.
Em relação às despesas correntes do FPF houve um
decréscimo 44,2%, que em termos das despesas de 2001 significam
uma diminuição de R$ 6 bilhões. A Tabela 02 e o
Gráfico 03 mostram como seu deu essa queda ao longo desses anos
pós-constituição de 1988.
No que se relaciona à arrecadação de impostos, houve um
decréscimo de 38,5%, o que, em relação à arrecadação
de 2001, significam R$ 4,8 bilhões a menos. A Tabela 02 e o gráfico
04 mostram a evolução desse indicador.
O ano de 1989, apesar de ser aquele em que os recursos globais das IFES atingiram
o maior valor, possui o mais baixo valor para outras despesas correntes e investimentos,
um total de R$ 416 milhões. No governo Collor, 1990 a 1992 os recursos
de outras despesas correntes foram praticamente inalteradas em torno de R$
580 milhões; nos governos Itamar e FHC esses montantes quase se duplicaram,
atingindo um valor em torno de R$ 1 bilhão e, nos anos de 1999 a 2001
tornam a decrescer, reduzindo-se em 2001 a R$ 804 milhões.
Gráfico 4
Total de recursos das IFES, todas as fontes, como percentual dos impostos
1989: Gov. Sarney; 1990-1992: Gov. Collor; 1993-1994: Gov. Itamar; 1995-2001:
Gov. FHC
Quando comparamos os valores de outras despesas
correntes do período
1989 a 1994
-valores que chegaram a ser de R$ 416 milhões em 1989- com os
valores do período 1995-2000 -que chegaram a R$ 1.025 milhões-,
poderíamos ser levados a concluir que houve uma elevação
substancial nos recursos que se dirigiram para a modernização
de laboratórios, aquisição de livros, construção
de novas salas de aulas, aquisição de reagentes químicos
para os laboratórios etc. Entretanto, nada disso ocorreu.
No contexto dos gastos de outras despesas correntes encontram-se, além
daqueles que se destinam às finalidades acadêmicas, os chamados
benefícios, o pagamento de professores substitutos e o pagamento
de médicos residentes. Os benefícios se caracterizam como “salários
indiretos”: vale-transporte, auxílio-alimentação,
assistência médica e odontológica a servidores e
seus dependentes, apoio à educação das crianças
de 0 a 6 anos -chamado de vale-creche-, e o PASEP, formação
do Patrimônio do Servidor Público. Os professores substitutos
deveriam ser pagos com recursos de pessoal, o que ocorreu até 1996,
alterando-se, a partir de 1997, para recursos de outras despesas correntes.
A implantação dos diversos benefícios ocorreu a
partir de 1994 e, a partir de 1995, os reajustes lineares dos servidores
públicos foram desativados. A contratação de professores
substitutos se fez necessária pela proibição de
abertura de novos concursos públicos para a vaga dos professores
que se aposentaram. Tudo isso contribuiu para reduzir drasticamente os
recursos para a efetiva manutenção das IFES. Portanto,
o aumento dos recursos de outras despesas correntes cria ilusões
quanto à melhoria das condições de trabalho tanto
no campo acadêmico quanto no campo administrativo.
Com relação aos recursos de investimentos, houve um aviltamento
dos mesmos, o que pode ser viso na Tabela 03 e no Gráfico 05 (Ver
tabela 03 e gráfico 05), se quisermos utilizar as palavras duras
do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), na publicação
Políticas Sociais 2: acompanhamento e análise (IPEA, 2001:
62):
...nos últimos anos, os gastos desse ministério [MEC]
com esses elementos de despesa sofreram profundo aviltamento (...) conforme
pesquisa realizada no âmbito do IPEA, as despesas de capital realizadas
pelo MEC junto às universidades federais, no período 1995-1998,
registraram decréscimo de cerca de 82%.
Tabela 3
Recursos de investimentos das IFES, excluindo-se recursos próprios
(1990-2001)
Ano
|
Investimentos
|
1990
|
327
|
1991
|
237
|
1992
|
178
|
1993
|
198
|
1994
|
192
|
1995
|
127
|
1996
|
92
|
1997
|
92
|
1998
|
7
|
1999
|
8
|
2000
|
59
|
2001
|
33
|
Valores em R$ milhões, a preços
de janeiro de 2002 (IGP-DI/FGV)
Fonte: 1990-1994: MF/STN/CGC: 1995-2001: Execução Orçãmentária
da União - http://www.camara.gov.br
Gráfico 5
Recursos de investimentos das IFES, excluíndo-se recursos próprios
(1990-2001
Valores em R$ milhões, a preços de janeiro de 2002 (IGP-DI/FGV)
1990-1992: Gov. Collor; 1993-1994: Gov. Itamar; 1995-2001: Gov. FHC
Essa situação dramática dos recursos de outras
despesas correntes e investimentos, originários do Tesouro Nacional,
além dos salários congelados, estaria levando as IFES,
exacerbadamente, ao quase-mercado educacional para obter recursos através
da prestação de serviços.
A diminuição dos movimentos grevistas após a constituição
de 1988, que obtiveram sucesso, estaria mostrando um outro ângulo das
medidas pós-crise do Estado de Bem-Estar Social, que é a “quebra” dos
movimentos sindicais. Estaria aí o reflexo do que Perry Anderson, em “Balanço
do Liberalismo”, fala sobre a receita a ser aplicada frente ao aumento
do poder dos sindicatos e das reivindicações do aumento dos gastos
sociais. (Anderson, 1998: 11).
Os valores de outras despesas correntes e investimentos originários
do Tesouro Nacional mostraram uma grande instabilidade e insuficiência
durante tantos anos e algumas perguntas intrigantes se apresentam: Como as
IFES conseguiram expandir suas atividades nesse período? Como conseguiram
recursos para a aquisição de equipamentos de laboratórios
e atualização de seu parque de informática? Afinal, como
elas sobreviveram?
Não existe uma resposta precisa para tais questões. Podemos apenas
levantar algumas hipóteses de explicação. Em alguns momentos,
aliados políticos dos governantes angariavam recursos para as IFES de
suas regiões; em outros, a própria instituição
conseguia convênios e contratos intermediados por fundações
de direito privado que apóiam as instituições, e cujas
execuções orçamentárias não fluem através
da execução orçamentária institucional. Esse movimento
iniciou-se mais fortemente a partir do ambiente de competição
instalado em 1990, no Governo Collor. Entretanto, foi no Governo FHC que essa
atitude foi incentivada e ganhou dimensões maiores, principalmente pelo
estancamento do “subterfúgio” da aplicação
de recursos excedentes da folha de pessoal no mercado financeiro para geração
de recursos próprios a partir de ganhos inflacionários.
Os valores dos recursos próprios mais elevados de 1993 a 1996 dão
uma indicação da existência desse mecanismo de geração
de recursos para outras despesas correntes e investimentos. A Tabela 04 e o
Gráfico 06 explicitam muito bem esse fato.
O efeito “heterodoxo” anterior foi estancado a partir de 1995.
Jornais de circulação nacional comentaram esse fato: o Jornal
do Brasil de 24 de outubro de 1994, com a manchete “MEC estoura orçamento
de pessoal”, noticiava:
Nos computadores do Tesouro Nacional, consta que foram liberados, para
o pessoal
Tabela 4
Recursos própios utilizados pelas IFES (1990-2001)
Ano |
Outras Actividades |
Mnutencao Hosp. Universitários |
Total |
1990 |
195 |
397 |
593 |
1991 |
213 |
329 |
543 |
1992 |
290 |
320 |
610 |
1993 |
601 |
353 |
954 |
1994 |
749 |
420 |
1,169 |
1995 |
458 |
384 |
841 |
1996 |
326 |
371 |
696 |
1997 |
266 |
341 |
607 |
1998 |
261 |
365 |
627 |
1999 |
220 |
32 |
252 |
2000 |
251 |
33 |
284 |
2001 |
242 |
37 |
278 |
Valores em R$ milhões, a preços
de janeiro de 2002 (IGP-DI/FGV)
Fonte: 1990-1994: MF/STN/CGC: 1995-2001: Execução Orçãmentária
da União - http://www.camara.gov.br
das universidades federais, R$ 2,3 bilhões entre janeiro e setembro.
No entanto, a soma do que foi efetivamente pago aos funcionários
e professores não passa de R$ 1,9 bilhões. Técnicos
da área econômica acreditam que os R$ 400 milhões
restantes foram gastos como custeio.
Josias de Souza, na Folha de S. Paulo de 26 de
dezembro de 1995, sob o título: “Orçamento Papai Noel”,
escrevia:
Em eterna penúria, a Fazenda segura os gastos como pode. Corta-se
de tudo, exceto as despesas com a folha. Os salários têm
de ser pagos, chova ou faça sol. Começou-se, então,
a embutir na folha de pagamento despesas que nada têm a ver com
os salários contas de água à aquisição
de equipamentos. Ludibriado, o Tesouro liberava os recursos (...) Em
junho, o Tesouro mandou pagar apenas os salários das universidades
que aderiram ao Siape. A folha total da Educação era de
R$ 410
Gráfico 6
Recursos próprios aplicados pelas IFES, em outras atividades (1990-2001),
excluindo-se os destinados aos hospitales universitarios
Valores em R$ milhões, a preços de janeiro de 2002 (IGP-DI/FGV)
1990-1992: Gov. Collor; 1993-1994: Gov. Itamar; 1995-2001: Gov. FHC
milhões. Liberaram-se magros R$ 300 milhões. Imaginou-se
que haveria um terremoto na Esplanada. Qual nada. Pagaram-se todos os
salários, como se nada tivesse acontecido. Havia uma gordura de
cerca de R$ 200 milhões, sobra de folhas anteriores.
A manutenção de arrecadações próprias
em torno de R$ 245 milhões, a partir de 1997, (ver tabela 04)
equivalentes àquelas de 1991 e 1992 quando já existia o
mecanismo da aplicação financeira de recursos de pessoal,
poderia caracterizar o ambiente atual nas IFES que é o de, cada
vez mais, prestarem serviços à sociedade para angariar
recursos do quase-mercado educacional e assim poderem manter parte de
suas atividades, recursos que se tornam fonte de complementação
salarial dos professores e servidores técnico-administrativos.
Temos que observar ainda que a maior parte das prestações
de serviços se efetiva numa parceria com Fundações
de Apoio, o que torna a detecção dos recursos arrecadados,
por essa via, não perceptível numa análise das despesas
do Fundo Público Federal.
Podemos inferir desses fatos que no governo FHC não sobrou outra
saída às IFES senão dirigirem-se ao quase-mercado
em busca de recursos para a sua sobrevivência. Podemos mesmo afirmar
que a interrupção desse “fenômeno heterodoxo” -aplicação
dos recursos da folha salarial no mercado financeir- foi o marco divisor
entre as IFES irem ou não irem ao quase-mercado à procura
de recursos financeiros para sua manutenção e modernização.
Ao implantarem as mudanças, os governantes passados -poderes Executivo
e Legislativo-, sempre ancorados na argumentação da inevitabilidade
imposta pela globalização e pelas novas exigências
do mercado, não quiseram aprofundar a discussão sobre que
conseqüências elas trariam para o futuro das IFES, como instituições
dedicadas à elaboração da cultura. O que planejavam
nossos dirigentes para a inserção do Brasil no contexto
mundial? Estariam conformados com uma posição subalterna
do Brasil perante as nações mais desenvolvidas? Teria havido
uma “rendição pura e simples dos seus governantes?” (Fiori,
2001: 76).
Teria razão o ex-ministro Paulo Nogueira Batista (Batista, 1999:
52) quando afirmava: “As classes dirigentes se acham minadas
pela visão neoliberal, e já conformadas com um status menor
para o país no cenário mundial” (negrito nosso).
O comando, a direção dos projetos implantados deveria fazer
parte, nas palavras de Nogueira Batista, de um “consenso brasileiro”,
baseado em relações de interdependência e não
de dependência com o mundo (idem, 60). Defende um...
Projeto de uma nação, que deseja cooperar
com outras nações
e delas receber cooperação, sempre porém, em base
de igualdade e de respeito mútuo, sem qualquer renúncia
a sua integridade territorial nem a sua soberania. Projeto que passa
por uma política externa soberana que não seja, como muitas
vezes no passado, um pacto entre as lideranças internas e externas, à custa
do interesse mais global do país (ibid, 59; negrito nosso).
O processo de degenerescência a que as IFES estão sujeitas
poderia levá-las, em médio prazo, a se tornarem instituições
puramente utilitaristas, com alguns poucos núcleos de excelência
científica e intelectual que, para sobreviverem nesse patamar,
teriam que angariar recursos no quase-mercado, vinculando os seus trabalhos
e projetos aos interesses dos financiadores, sejam estes governos ou
empresas. Como conseqüência, o País perderia o seu
maior complexo de instituições de ensino superior, lugares
onde ainda impera o esforço de elaboração da cultura
de que o país necessita.
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Vol. XXXII (4), No. 128, Octubre-Diciembre de 2003, pp. 159-165. ISSN:
0185-2760.
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